O mercado publicitário está num momento decisivo diante das transformações provocadas pela revolução digital no setor. Chegou a hora de falar sobre uma autorregulação. O ambiente é fértil para o surgimento de ferramentas e plataformas inovadoras e para o nascimento de novos modelos de negócios. Porém, embora hoje as possibilidades de alcançar o consumidor em sua jornada numa precisão não imaginada há alguns anos, o número de players se multiplicou, a cadeia da indústria publicitária está muito mais complexa, o que torna as relações pouco transparentes. E, como se sabe, onde falta transparência, nasce o risco de prejuízos por fraude e associação de imagem a fake news e conteúdo impróprio.
Diante desse cenário, André Vinícius, diretor executivo de publicidade do UOL, defende que, para o mercado ser brand safe e restabelecer a confiança em seus investimentos, é necessário olhar para os próprios processos e estabelecer regras que tornem os negócios mais claros. “Por isso, agências, anunciantes e veículos discutem desde meados do ano passado a autorregulação das relações comerciais no ambiente digital. Traduzindo: o próprio mercado debate quais melhores práticas devem guiar e orientar a publicidade na internet”, disse em recente artigo escrito para o Meio & Mensagem.
As discussões estão em andamento no âmbito do Comitê Técnico Digital do Cenp (Conselho Executivo das Normas-Padrão), do qual André é membro, como representante de veículo. Segundo o executivo, as conversas têm se mostrado democráticas, entre entidades, agências, anunciantes e veículos contribuindo para um ecossistema de negócios mais seguro e transparente. Também fazem parte do comitê os representantes de agências Gal Barradas, Anderson de Andrade (A2C), Marcio Zorzella (Isobar) e Roberto Grosman (F.biz); de anunciantes Marco Frade (LG), Natacha Volpini (Heineken), Rafael Laender (Hyundai) e Bárbara Regis (P&G), e de veículos Paulo Rogério Casas Arruda (Estadão), Paris Piedade Neto (TV Globo), Rodrigo Marti (SBT), além de André Vinícius, do UOL.
De acordo com Caio Barsotti, presidente do Cenp, sempre é preferível um ambiente autorregulado pelos que conhecem o mercado, suas dinâmicas e necessidades. O grupo chegou a um documento base chamado Comercialização de Mídia em Ambiente de Internet (Anexo D), complementar às normas padrão que já regulam a comercialização de mídia em qualquer meio. “A mídia na internet guarda uma série de características que exigem mais atenção e detalhamento. O documento está bastante adiantado.”
Outra iniciativa parte da Abap (Associação Brasileira de Agências de Publicidade), que encomendou a elaboração de Protocolo de Boas Práticas e Compliance à Fundação Dom Cabral (FDC). A iniciativa visa orientar as agências sobre atos ilegais; de forma que possam evitar ou coibir modalidades de fraudes ou situações irregulares; e fortalecer sua reputação e credibilidade no mercado. O compliance tem a ver com a mudança de cultura das empresas, com a adoção de uma postura transparente desde as práticas comerciais ao controle de outros fatores que podem impactar no preço final de um produto. O Cenp já tem um manual disponível e será consultado pela Abap, o que deixa mais claro esse momento de alinhamento entre diferentes agentes do mesmo mercado.
Para André, é importante que os players do mercado estabeleçam boas práticas tendo em vista especialmente a transparência sobre onde os investimentos em mídia estão sendo aplicados. “Para se proteger de eventuais riscos, quem investe em mídia digital deve ter garantias sobre o destino de seus recursos, isto é, saber exatamente onde suas mensagens foram veiculadas, se esses canais apresentam conteúdos de acordo com os valores da sua marca, se são negócios idôneos, se atuam dentro da legalidade e alinhados com as práticas de mercado.” Isso porque, segundo ele, “o desconhecimento sobre as tecnologias e a falta de transparência podem gerar perdas, entregas não verificáveis e intermediações desfavoráveis para os envolvidos.”
Outra questão importante a ser discutida é o papel de cada player na cadeia. Ao mesmo tempo em que o novo ambiente digital proporcionou o surgimento de modelos de negócios inovadores, nasceram muitos intermediários nas negociações. “A regulação pode proporcionar clareza. Mesmo que sejam voláteis, com flexibilidade para diferentes papéis em circunstâncias distintas, é preciso ter mais clareza sobre o que é um veículo de comunicação, o que é uma plataforma, uma solução tecnológica, um provedor de dados, um sistema de verificação, entre outros”, afirma André, ressaltando que a regulação deve ajudar a conhecer como, quem e quanto se remunera cada um deles.
Autorregulação não se trata de engessar a evolução do mercado, destaca André. “É possível regular sem ir contra a dinâmica do mercado, dando maior transparência e recursos para os envolvidos, em especial para o anunciante.”