A publicidade está renovando seu discurso para tratar mulheres. Aos poucos, os estereótipos batidos do feminino cor-de-rosa ou da supermulher capaz de dar conta da casa, dos filhos e do trabalho estão mudando para o girl power. Mulheres poderosas, destemidas, donas de si têm sido personagens mais frequentes das narrativas das propagandas. Mas até que ponto o empoderamento feminino não é outro estereótipo vazio que subestima o público e prejudica marcas?
Preocupada com os efeitos desse tipo de propaganda, a Think Eva, consultoria que auxilia marcas no posicionamento do discurso às mulheres, lançou recentemente o report “Feminismo: compromisso inegociável”. “O empoderamento feminino é um termo palatável para falar de feminismo sem que ninguém precise sair da sala. Mas junto com isso vem a superficialidade. A gente convida as marcas a entrar nessa discussão, a assumir esse compromisso com o feminismo de forma que possam ajudar a construir um legado”, afirma Maíra Liguori, sócia da Think Eva.
Feito em várias mãos, com ajuda de especialistas sobre o tema, o report analisa a relação das marcas com a publicidade e traça uma linha do tempo, mostrando como a narrativa publicitária sobre mulheres mudou ao longo dos anos em relação aos avanços do feminismo. A constatação é de que a propaganda fez peso contrário às conquistas femininas: liberdade sexual virou objetificação, e avanço no mercado de trabalho virou ser “supermulher” que suporta dupla jornada. Segundo Maíra, a ideia foi organizar informações históricas e mostrar que usar o feminismo como causa conveniente, sem profundidade, não contribui nem para as mulheres, nem para as empresas.
“Surfar na onda e fazer comunicação pintada de rosa não vai salvar sua marca. Mas se tiver consistência e proposta de mudança, isso pode fazer a diferença”, diz. Para a executiva, no universo do ativismo existe um terreno fértil para inovação não só de discurso, mas também de produto. E isso abre oportunidades para as empresas que olham para o longo prazo se fazerem relevantes.
Veja três erros de marcas que adotam o ‘girl power’, segundo Maíra:
1. Não ter conhecimento de causa
Não ter o conhecimento apropriado para abordar o assunto é o que faz muito discurso publicitário soar oportunista e vazio. “Quando a gente se propõe a falar sobre temas feministas, a gente precisa entender esse movimento, saber quem são as vozes, quais são as demandas, por que elas acontecem. Existe um conhecimento ainda muito superficial, o que é natural, porque é um processo que ainda vai se amadurecer”, diz Maíra.
2. Subestimar a inteligência do público
“Um vício que a publicidade tem é o de ignorar e desrespeitar a inteligência das mulheres. É achar que você pode vender o cheiro do sabonete como algo que define a essência de uma mulher. Não! A mulher é muito mais complexa. Ela é capaz de pensar, tomar decisões”, afirma. E quando esse tipo de discurso aparece, a internet é implacável. “A comunicação hoje é muito mais horizontal e você hoje tem o termômetro da aceitação da campanha de forma muito imediata. Cada vez mais as pessoas estão conscientes e demandando coerência das marcas.”
3. Achar que precisa levantar bandeira
Falta às marcas o entendimento do seu lugar dentro do debate sobre feminismo. “Levantar bandeira, se colocar como marca feminista e ser ativa nessa discussão não é uma obrigação. A gente não acha que todas as marcas precisam se posicionar”, diz Maíra. Segundo ela, basta ouvir as mulheres. “Só o fato de prestar atenção no que as mulheres estão dizendo, não objetificar, não menosprezar a inteligência, não se apoiar nos estereótipos de sempre, só isso já é grande coisa. As marcas de cerveja não precisam se colocar como pró-feminismo. Só de não colocar a mulher no lugar daquela que serve ou que enfeita o ambiente já é muita coisa.”