O Brasil e o mundo vivem um estado de descrença e desconfiança nas instituições que aos poucos atinge também as empresas. E as marcas terão de assumir o papel de articuladoras do futuro se quiserem se manter em credibilidade e oferecer a melhor resposta para seus negócios. É o que analisa Kika Brandão, head da Eixo, consultoria de estratégia e cultura formada somente por mulheres, a partir de mapeamentos das transformações culturais e comportamentais que impactam marcas e negócios.
“Essa descrença está conectada, no Brasil, com um cenário de muita desigualdade, onde existem grandes empresas bilionárias batendo lucro, num país muito instável. Também tem a descrença nos governos. E, quando um governo não está conseguindo criar soluções, as marcas começam a ser cobradas para ocupar esse lugar. Essa pressão ganha muito fôlego quando a gente se desestrutura economicamente e politicamente”, diz.
Para Kika, a desconfiança se volta às marcas por meio de questionamentos cada vez mais frequentes do público, que têm influenciado nas suas escolhas de consumo. “Qual a verdade da marca? O que apoia? Quais projetos incentiva? O que faz com esse lucro? Marcas foram criadas para dar lucro, por isso todo e qualquer propósito ou está sendo construído, ou ainda não é legítimo. A desconfiança das pessoas tem feito com que as marcas acelerem esse propósito.”
Mas, para fazerem esse movimento, é necessário que as marcas entendam como os propósitos impactam nos negócios. “As marcas não vão mudar porque elas querem, mas porque serão pressionadas a fazer isso. Algumas ainda não entenderam, outras estão fazendo como banho de loja, e outras entendem a mudança como exercício de futuro: e são estas que irão sobreviver”, afirma a executiva.
E isso só será possível com mudanças internas de pessoal, trazendo para as equipes pessoas que representem melhor o seu público. “Há um movimento hoje de busca maior por representatividade. Quando não há representatividade na comunicação das marcas, a publicidade constrói uma visão diferente de como o seu público é. O que enxergo de resposta das marcas é que renovem equipes, com pessoas diversas.”
Ela cita um case da Eixo para a Consul como exemplo. A marca há tempos buscava uma estratégia regional para o Nordeste, que identificou que dois terços das casas não usavam máquina de lavar. Mas, mesmo com esse público potencial, as campanhas não moviam os ponteiros de venda. “A gente percebeu que soluções tradicionais não resolviam e que precisávamos entender como as pessoas lavam roupa, ir lavar com elas.”
Dessa forma, a Eixo coordenou uma pesquisa em oito cidades e quatro Estados, com um time 100% feminino e 50% nordestino, para compreender e traduzir os resultados. E veio a grande surpresa. Os dados mostraram que a classe A não comprava máquinas de lavar porque ainda usava o serviço de lavadeiras. “Um resquício escravocrata”, afirma Kika. E as casas das classes BC acreditavam que o produto não servia para elas. “As máquinas vinham com a função ‘ciclo edredom’, numa região onde não se usa edredom e muitos preferem dormir em redes. As pessoas queriam uma máquina de lavar, mas falavam que não era pra elas, porque não sabiam usar. Era uma barreira de produto.”
A partir dos insights da consultoria, a marca mudou a função de “ciclo edredom” para “ciclo rede”, e passou a construir a comunicação com uma equipe novamente diversa. “A gente montou um time de especialistas e criativos nordestinos, com redator, diretor de arte, e as peças já nasceram com a língua, as cores e os códigos do Nordeste, para trazer a lógica do cliente. A gente conseguiu construir uma estratégia mais inovadora, e nunca se vendeu tanta máquina de lavar na história da Whirlpool na região.” Além disso, conta Kika, a ação deixou um legado de trabalho social com as lavadeiras, que entrou para os propósitos da marca.