O 47º Anuário do Clube de Criação, premiação realizada durante o 10º Festival do Clube nos dias 22 e 23 em São Paulo, teve como proposta valorizar a pluralidade da criatividade de forma histórica. E entregou. Tanto os troféus quanto o evento buscaram destacar reflexões sociais urgentes, como letramento racial, fome e diversidade, ao mesmo tempo que trouxeram discussões importantes sobre tecnologia, audiovisual e tendências em conteúdo.
“A 10ª edição do Festival do Clube é histórica por muitas razões. Primeiro, porque estamos de volta ao Memorial (onde foram realizadas as primeiras edições do evento). Além disso, estamos trazendo atrações ainda mais diversas. E também por conta do momento político que estamos vivendo no Brasil. É um ato político estar aqui“, disse Joana Mendes, presidente do Clube de Criação, a primeira negra, LGBTQIA+, nascida na região Norte, no comando da entidade.
O prêmio máximo do Anuário do Clube – a Estrela Preta – coroou o rapper Mano Brown, pelo trabalho “Mano a Mano”, podcast criado pela agência Gana para o Spotify, que coleciona entrevistas de grande repercussão, como a feita com o ex-presidente Lula e com a ativista e intelectual Sueli Carneiro. Nos programas, produzidos pela Mugshot, Mano Brown conversa com personalidades e traz discussões e debates sobre diversas áreas, como esporte, política, religião, sociedade e cultura.
Já a Estrela Verde foi para o trabalho “Jatobá Refugiado”, de mídia exterior, criado pela Africa para APIB (Articulação dos Povos Indígenas do Brasil). O filme teve a proposta de mobilizar a opinião pública mundial sobre a aceleração dos desmatamentos e queimadas que destroem biomas brasileiros.
O Anuário também premiou dezenas de categorias Técnicas, de Negócios/Criação e de Estudantes e Periferia Criativa. O Compass UOL, que oferece soluções em inovação, levou bronze na categoria Serviços Públicos Comerciais – Digital, em trabalho com The Stolen Art Gallery e GUT.
Como tornar a tecnologia aliada
Para além da premiação, o fim de semana trouxe discussões relevantes, dentro do Festival, que trataram do uso da tecnologia atrelado às questões sociais, como temas transversais. Ao todo, foram 60 painéis, com 100 convidados, que discutiram tendências de conteúdo, influência 3.0, criação para novas plataformas, levantando questionamentos sobre como é possível o trabalho criativo se posicionar no hackeamento cultural e a melhora do ambiente do mercado de trabalho.
Um dos painéis emblemáticos sobre essa convergência dos temas sociedade, criatividade e tecnologia foi “Inteligência artificial: é preciso quebrar o algoritmo”. Mediada por Ian Black, co-CEO e sócio da New Vegas, a conversa teve como participantes Caio Gomes, Chief Data & Analytics Officer da Yape; Mariana Gomes, jornalista e fundadora da Conexão Malunga; e Celso Oliveira, professor da USP e diretor executivo da Aqualtune Lab (coletivo jurídico multidisciplinar, sobre direito, tecnologia e raça).
Ponto de discussão polêmico da edição, a conversa falou, entre outras questões, sobre a reprodução de preconceitos pelos algoritmos. “A base de dados que a gente trabalha hoje é branca, racista e homofóbica porque é assim que é a nossa sociedade. A gente tem a questão de ter o racismo no algoritmo ou o algoritmo racista. Nós, enquanto sociedade, temos de definir os graus de risco que vão estar envolvidos com o uso das tecnologias”, disse Celso Oliveira.
A reação da plateia – que teve pessoas saindo antes do fim do debate – mostrou o quanto questões sociais necessárias ainda despertam pouco interesse da indústria da propaganda. “A gente tem o dever de fazer a publicidade não como algo glamouroso e alienado, mas que entende seu papel social”, disse Ian Black no encerramento.